07.06.18

Cadê a coerência?


Capa da revista National Geographic (junho 2018)  

De vez em quando a gente vê nos jornais ou nas redes sociais algo sobre o dia mundial do meio ambiente e pensa “ah, de novo”. E talvez reflita um pouco sobre a poluição ou como pouco avançamos neste quesito, e aproveitamos para falar mal do governo – aquele sujeito meio indefinido. Mas você já parou para pensar no que poderia fazer diferente ou na contribuição que suas escolhas têm nos problemas ambientais que existem local ou globalmente?  

Comemorado desde 1972, este ano o tema do Dia Mundial do Meio Ambiente é a poluição plástica. Com a hashtag #acabecomapoluiçãoplástica, celebra a campanha #mareslimpos. Está cada vez mais comum ver vídeos que demonstram como o plástico se acumula nos oceanos e vem se tornando um problema cada vez mais preocupante. É só prestar um pouquinho de atenção para perceber quanto plástico inútil e desnecessário faz parte de nosso quotidiano.  

Campanha Break Up, UN Environment (fevereiro 2018)  

Alguns itens têm sido apontados como maiores vilões, e alternativas vêm sendo oferecidas no mercado para substituí-los. É o caso das sacolas retornáveis ou biodegradáveis, dos canudinhos, das escovas de dente de bambu, das fraldas de pano, das calcinhas-absorvente, buchas vegetais, entre outros. Embora pareça coisa de eco-people, algumas destas fazem muito sentido e podem ser até mais confortáveis ou saudáveis. O alto investimento inicial ainda é um empecilho para que todas as classes sociais possam optar por elas.   
 
Mas encomendar escova de dente ecológica de outro país?? Mesmo que financeiramente possa valer a pena, todo o combustível utilizado e, consequentemente, a poluição gerada para trazer isso até aqui já me faria questionar a opção. Não consigo ver coerência numa proposta destas.  
 
Praticidade e higiene, aliadas ao baixo custo do material, parecem ter nos levado a este caminho bem esquisito. Um mundo de “embalados individualmente”, sejam canudinhos, guardanapos, palitos de dente, açúcar, biscoitos. Já reparou no que se transformou comer um milho no litoral norte de São Paulo? Os grãos vêm servidos em um recipiente de isopor – para manter quentinho, como se não fossemos comer ali na hora – acompanhados de um guardanapo dentro de um saquinho plástico, uma colher de plástico dentro de outro saquinho plástico, um sachê de margarina em embalagem plástica. Tudo isso dentro de uma sacola, plástica, é claro!  

A França, por exemplo, aprovou em 2017 uma lei para banir, até 2020, o plástico de utensílios de alimentação – pratos, talheres e copos –, exigindo que estes sejam feitos com materiais de fonte biodegradável. Não sem enfrentar resistência por parte da indústria, que alega que a lei fere as normas da União Europeia de livre circulação de mercadorias. Espera-se que, da mesma forma que ocorreu com outros regramentos, a moda continue pegando em outros países.  

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou esta semana o projeto de lei no1691/2015 que proíbe a utilização de canudos de plástico por restaurantes, bares e outros. Apoiado pela Meu Rio por meio da campanha #riosemcanudo, o PL segue agora para sanção do prefeito, Marcelo Crivella. A iniciativa poderia ser imitada – e ampliada – por municípios para regular a oferta de alimentos em áreas ambientalmente sensíveis como as praias. Até porque limpar a areia não é tarefa fácil e todo esse resíduo sólido que não é coletado vai direto para o mar. E você sabe quem paga essa conta, não é?  

Na verdade, pouca gente sabe quanto custa essa conta. Quanto gastamos anualmente com a coleta e destinação de nosso lixo, embora saibamos que nem tudo está indo para onde deveria. Baixíssimos índices de reciclagem, pontos viciados por todos os bairros das cidades, poluição atmosférica causada pelos caminhões que viajam enormes distâncias para coletar e levar os resíduos para os lixões e aterros sanitários, muitos destes com capacidade em fase de esgotamento.  

No município de São Paulo, os valores empregados em limpeza urbana – aí incluídos os serviços divisíveis (48%) e indivisíveis (49%), a coleta seletiva (0,9%), os resíduos inertes (1,6%) e a administração (0,5%) de toda a concessão – somam R$ 2 bilhões anuais (valores liquidados em 2016). Isso representa cerca de 5% do orçamento municipal, do jeitinho que está sendo feito, cheio de desafios, falhas e metas adiadas.  

Além dos resíduos sólidos, continuamos a despejar esgoto em nosso território. Avançamos pouquíssimo neste quesito, mesmo onde a situação contratual foi regularizada, após a elaboração de planos municipais de saneamento básico. Em São Paulo, onde o contrato de concessão foi assinado em 2010, todos os investimentos realizados pela Sabesp em infraestrutura de água e esgoto são custeados pela tarifa que pagamos. Ou seja, a distribuição de responsabilidades pela expansão e manutenção das redes de água e esgoto estão a cargo da concessionária, exceto no caso da urbanização dos assentamentos precários.  

Para esta e outras atividades definidas pelo artigo 6 da Lei Municipal n. 14.934/09, a Sabesp repassa 7,5% de seu faturamento ao Fundo Municipal de Saneamento Ambiental Integrado (FMSAI) – cerca de R$340 milhões anuais. Como estes recursos não são suficientes para custear, anualmente, todas as necessidades do município, deveriam servir como aporte adicional e não praticamente exclusivo, como tem sido feito há mais de cinco anos.  

Já a drenagem urbana – o último componente do chamado saneamento básico – é tratada como atividade da prefeitura e não como um serviço por ela prestada. Não há um concessionário, um plano efetivo para o município como um todo ou fluxo contínuo de recursos. O resultado a gente vê por aí, cada serviço executado de forma segredada, impactando enormemente nos demais: o lixo que sobra e entope as redes de drenagem e esgoto, o esgoto lançado equivocadamente nas redes de drenagem ou córregos, inundações, poluição, desabastecimento.  

Tão complexo que o pobre do cidadão tem dificuldade de entender o que deveria estar sendo feito para que pudesse cobrar de cada ator responsável, muitos até desconhecidos dele. Enquanto isso, continuamos a produzir alimentos que envenenam o solo e a água e, em seguida, nossos organismos. Farinhas de trigo e açúcar com alvejantes – por que mesmo eles precisam ser brancos? 

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  Maria Teresa Diniz     urbitandem@urbitandem.com.br